A celebração da Solenidade de Todos os Santos, a cada 1 de novembro, constitui-se como um dos dias mais significativos no calendário litúrgico da Igreja Católica em Portugal e no mundo inteiro, assinalando-se a honra de todos os santos — canonizados ou não — que vivem na glória de Deus. Neste artigo procurarei apresentar de forma completa e detalhada o significado, as origens, os elementos litúrgicos, o impacto pastoral e o espírito desta solenidade, adaptado ao contexto português.
1. O que se celebra neste dia
No dia 1 de novembro, a Igreja celebra “todos os Santos”. Isto significa que se presta homenagem não só aos santos e santas oficialmente canonizados, mas à multidão incontável daqueles que já vivem em comunhão com Deus no céu, apesar de não terem a celebração litúrgica individual. Segundo a liturgia, esta solenidade convida a Igreja militante (os fiéis na Terra) a levantar o olhar para a Igreja triunfante (os santos no Céu) e a alegrar-se com eles na visão beatífica de Deus. Em Portugal, este dia é feriado nacional, o que reforça o valor comunitário e civil da celebração.
2. Origens e evolução histórica
2.1 Início da veneração dos mártires
Desde os primeiros séculos do Cristianismo, era habitual venerar os mártires — homens e mulheres que deram testemunho da fé até ao martírio — e assinalar-se liturgicamente o dia do seu nascimento para a Vida (morte martirial) ou o local onde repousavam seus restos.
2.2 Festa de Todos os Mártires ao longo do tempo
Mais tarde, alargou-se a celebração para «todos os santos», conhecidos ou desconhecidos, não só mártires mas também confessores, virgens, pessoas comuns que viveram heroicamente a fé.
2.3 Fixação da data de 1 de Novembro
No Ocidente, a festa da «All Saints» ou «Todos os Santos» chegou a ter outras datas, por exemplo em Roma era 13 de maio, devido à dedicação do Panteão a Maria e aos mártires em 610. Posteriormente, no século IX, adoptou-se em grande parte da Igreja ocidental o dia 1 de Novembro por decisão do Papa Gregório IV (no ano de 835) para a veneração de todos os santos.
Assim, esta solenidade assume um carácter de universalidade: “todos os santos” de todo o tempo, lugar e condição humana.
3. Significado teológico e pastoral
3.1 Chamado universal à santidade
Uma das ênfases desta festa é precisamente que todos os baptizados são chamados à santidade: “Deveis ser perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48). Na liturgia afirma-se que é uma solenidade — o grau litúrgico mais alto — e que nos exorta a olhar para a glória de Deus, para sermos também participantes dessa comunhão de vida em Cristo.
3.2 Comunhão dos santos
A doutrina da comunhão dos santos – a união entre a Igreja militante (na Terra), a Igreja padecente (as almas no Purgatório) e a Igreja triunfante (os santos no Céu) – encontra nesta solenidade uma expressão particular. Os santos intercedem por nós e nós somos estimulados pelo seu exemplo.
3.3 Exemplo e modelo
Os santos não são figuras inatingíveis, mas modelos de vida cristã – pessoas comuns que amaram a Cristo, seguiram-no fielmente, aceitaram o sofrimento, a pequenez ou a missão. A partir do seu testemunho, a Igreja nos convida a viver de modo coerente.
3.4 Esperança e perspectiva escatológica
Esta solenidade ajuda-nos a olhar para além da vida presente, para o céu como «nossa futura pátria», a recordar que o nosso destino é a Vida plena com Deus.
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4. Elementos litúrgicos e práticas em Portugal
4.1 Na liturgia
- A solenidade de Todos os Santos é marcada por textos próprios das leituras, antífonas e prefácio. Por exemplo, o horário de liturgia portuguesa apresenta um hino para a Véspera com invocações aos Apóstolos, Profetas, Mártires, Virgens e Confessores.
- As leituras frequentemente remetem ao livro do Apocalipse (ex. Ap 7,9-14) apresentando a “multidão incontável” de santos de todas as nações.
4.2 Costumes populares em Portugal
- Em Portugal, uma tradição antiga para o dia 1 de novembro é a prática do “Pão-por-Deus”: as crianças saíam em grupos de porta em porta a pedir bolos, frutos secos ou doces, recitando versos.
- Visitas aos cemitérios para recordar os falecidos, colocar flores, acender velas, embora esta prática esteja mais ligada ao dia 2 de Novembro (Dia dos Fiéis Defuntos), também pode estar integrada nesta época litúrgica.
4.3 Feriado e momento de reflexão
Em Portugal, sendo feriado nacional, há oportunidade para participar da Eucaristia com calma, reflectir, dedicar-se à oração, à contemplação, ao recolhimento, em meio à vida quotidiana.
5. Por que os santos? O lugar deles na vida da Igreja
- Quem são os santos? Segundo a tradição, santos são aqueles que morreram em amizade com Deus e vivem na glória. A Igreja canoniza alguns, mas reconhece que “todas as almas que estão no Céu são santas”.
- Porque venerá-los? Pela sua intercessão e pelo exemplo que oferecem. Eles não substituem Cristo, mas apontam para Ele e ajudam-nos no caminho que somos chamados a percorrer.
- Significado para a Igreja: A presença dos santos testemunha que a santidade é possível em cada estado de vida – leigos, consagrados, casados, solteiros – e não é privilégio de poucos. Inspira-nos a viver mais intensamente o Evangelho.
6. A relação com o dia seguinte — 2 de Novembro
É importante compreender que a Solenidade de Todos os Santos no dia 1 projecta-se para o dia 2 de Novembro, Dia dos Fiéis Defuntos, dedicado às almas que já partiram e aguardam a plenitude da glória de Deus.
Desta forma, 1 de Novembro celebra os santos no céu; 2 de Novembro recua para a Igreja padecente; são dias complementares de memória, oração e esperança.
7. Mensagem para o cristão de hoje
- Esta solenidade convida-nos a viver com olhos voltados para o céu, mas com pés na Terra: a santidade não é para o isolamento, mas para o quotidiano. Como recorda a liturgia, somos chamados a «ser santos como o Pai celeste é santo».
- É um convite à alegria: não uma melancolia de mortes, mas uma exultação pela vitória de Cristo e pela comunhão já existente dos santos. A liturgia usa a antífona: “Alegremo-nos todos no Senhor, ao celebrar esta festa em honra de todos os Santos…”.
- É também tempo de pedir intercessão, de reconhecer que não caminhamos sozinhos, mas em comunhão com tantos irmãos e irmãs.
- Finalmente, estimula-nos a imitar os santos — não porque precisamos de ser «extraordinários», mas porque o chamado à santidade está no quotidiano, nas escolhas de cada dia, na fidelidade ao amor de Cristo.
8. Conclusão
A Solenidade de Todos os Santos, marcada no calendário da Igreja a 1 de novembro, é uma celebração rica de significado: histórica, teológica, litúrgica e pastoral. Ela lembra-nos que o céu não é fantasia, mas destino; que os santos são companheiros de fé; que a santidade é para todos. Em Portugal, onde se vive esta solenidade como feriado, com práticas próprias e sentido comunitário, somos convidados a viver-la com «coração elevado», ação de graças e firme esperança.
Que neste dia possamos unir-nos à multidão dos que já contemplam a glória de Deus, pedir-lhe coragem para seguirmos o caminho que eles trilharam, e viver, no mundo de hoje, como sinal de esperança para o amanhã.




