A festa da Visitação de Nossa Senhora, celebrada anualmente a 31 de maio, encerra o mês tradicionalmente dedicado a Maria no calendário litúrgico da Igreja Católica. Esta data marca o momento comovente em que Maria, recém-grávida de Jesus, se dirige apressadamente às montanhas da Judeia para visitar a sua prima Isabel, grávida de João Batista. Mais do que um gesto de familiaridade, este encontro entre duas mulheres escolhidas por Deus representa um verdadeiro ícone da espiritualidade cristã, profundamente enraizado na tradição e na cultura de fé portuguesa.
Origem e evolução histórica
A festa da Visitação teve origem no século XIII, promovida especialmente pela Ordem Franciscana. Contudo, foi apenas em 1389 que o Papa Urbano VI a instituiu oficialmente no calendário litúrgico, num contexto histórico turbulento: o Grande Cisma do Ocidente, que dividia a Igreja. O objetivo era invocar a paz e a reconciliação através da intercessão de Maria, modelo de humildade e união.
Originalmente celebrada a 2 de julho, esta data manteve-se até à reforma litúrgica do Concílio Vaticano II, que reorganizou o calendário romano para situar esta festa a 31 de maio, encerrando simbolicamente o mês mariano com uma celebração que exalta o serviço, a alegria e a fé.
Uma celebração vivida em Portugal
Em Portugal, país de profunda tradição mariana, a Visitação assume especial importância. Em muitas comunidades paroquiais, particularmente em zonas rurais, é costume realizar romarias, procissões, terços e novenas em honra de Nossa Senhora. É uma celebração que reforça os laços de fraternidade e solidariedade — tal como Maria se apressou a ajudar a sua prima Isabel, os fiéis são convidados a sair ao encontro do outro, a prestar serviço, e a reconhecer os sinais de Deus nas pequenas coisas do quotidiano.
Um gesto de pressa movido pelo amor
No Evangelho segundo São Lucas (1, 39-56), Maria parte “apressadamente” para a casa de Zacarias. Este detalhe revela a prontidão com que ela acolhe a missão de Deus. A sua pressa não é ansiedade, mas impulso de amor e serviço, sinal claro de uma espiritualidade ativa. Maria não espera ser servida: ela serve.
Para os católicos, este gesto é exemplo de missão: ir ao encontro do outro, especialmente daqueles que mais necessitam, com alegria, humildade e prontidão. Ao visitar Isabel, Maria leva consigo Cristo, tornando-se a primeira “portadora da Palavra”, como muitos teólogos referem. Este é o início da Igreja em movimento.
O Encontro entre dois filhos e duas promessas
Quando Maria saúda Isabel, ocorre algo extraordinário: o bebé no ventre de Isabel — João Batista — estremece de alegria, e Isabel, cheia do Espírito Santo, exclama: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre!” (Lc 1,42). Neste momento, dá-se um dos encontros mais significativos da história da salvação: Jesus e João Batista encontram-se ainda no seio das suas mães.
Este episódio é frequentemente interpretado como uma antecipação do papel de João como precursor de Cristo, e simboliza o reconhecimento profético da presença do Salvador. É também um sinal da graça que atua mesmo antes do nascimento, e do valor sagrado da vida desde a conceção.
O Magnificat: oração de louvor e revolução espiritual
Em resposta à saudação de Isabel, Maria proclama o Magnificat, uma das orações mais belas da tradição cristã. Este cântico revela uma espiritualidade que une louvor e ação, fé e justiça. Maria exalta a grandeza de Deus que “derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes”.
Em Portugal, o Magnificat é frequentemente rezado ou cantado em terços marianos, missas festivas e momentos de adoração, sendo considerado um hino à esperança dos pobres, dos marginalizados e dos simples. É um convite à transformação interior e social, numa lógica onde os valores do Reino de Deus se sobrepõem às estruturas de poder humano.
Significado para o mundo atual
Num tempo marcado por egoísmo, pressa sem sentido e individualismo, a festa da Visitação recorda aos cristãos que o verdadeiro caminho é o da partilha, do acolhimento e do serviço. Em Maria, a Igreja encontra o modelo de uma fé concreta, que se manifesta em ações. A sua viagem até Isabel não é uma fuga, mas um compromisso. A Visitação inspira hoje ações missionárias, voluntariado, visitas a doentes, atenção aos idosos e solidariedade ativa, sendo um chamado claro à vida cristã como dom para o outro.
Em conclusão, Celebrar a Visitação de Nossa Senhora em Portugal é muito mais do que recordar um episódio bíblico. É reviver o dinamismo da fé que se põe a caminho, é abrir o coração à escuta dos sinais de Deus, é reconhecer que cada encontro pode ser lugar de bênção. Como Maria, somos convidados a ir “apressadamente”, com alegria e fé, ao encontro dos outros — levando esperança, consolo e amor.